O vai e vem em torno do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) acendeu o sinal de alerta entre empresários e economistas, preocupados com os reflexos da medida sobre o setor produtivo. Em junho, o governo federal editou um decreto elevando a alíquota do IOF nas transferências internacionais, com o objetivo de reforçar a arrecadação diante do avanço das despesas públicas.
A proposta, no entanto, foi barrada pelo Congresso Nacional, que argumentou que a elevação da carga tributária por meio de decreto fere a competência do Legislativo.
Em resposta, o governo recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), defendendo que a medida está amparada na legislação vigente.
A disputa política e jurídica se desenrola em um cenário de crescente desequilíbrio fiscal. Segundo a plataforma Gasto Brasil, que monitora as contas públicas em tempo real, os gastos dos entes federativos — Governo Federal, Estados, Distrito Federal e Municípios – já superam R$ 2,7 trilhões neste ano, enquanto a arrecadação federal gira em torno de R$ 2,05 trilhões. O descompasso pressiona os juros, eleva o risco-país e desestimula novos investimentos.
IOF: imposto regulatório usado como ferramenta fiscal
Para o economista e pesquisador da Unicamp Sillas Sousa, o uso do IOF como mecanismo de arrecadação é um sintoma das limitações fiscais e políticas enfrentadas pelo governo. “Temos dois tipos de impostos: os que são feitos para arrecadar, como o ICMS e o Imposto de Renda; e os impostos que são feitos para regular, que é o caso do IOF. A lógica do IOF é a mesma do imposto sobre cigarro ou bebida: não é apenas para arrecadar, mas para desestimular determinado comportamento econômico.”
Sousa destaca, no entanto, que a tentativa de aplicar esse imposto de forma fiscal tem distorções. “O governo quer diminuir a remessa de dólares para o exterior, então ele aumenta o IOF sobre essas operações. Mas, como está com dificuldade de aprovar novas fontes de receita no Congresso, recorre a impostos que podem alterar por decreto”, afirma. “Existe uma legitimidade do ponto de vista econômico na tentativa de aumentar a arrecadação, porque o governo está gastando mais do que arrecada. Mas isso tem um custo político e econômico alto.”
O professor também faz um alerta sobre os efeitos regressivos dessa estratégia. “O problema é que esse imposto incide em cascata e pune muito o pequeno investidor. Ele não tem acesso ao crédito subsidiado do BNDES. Ele usa o crédito rotativo, o que estiver disponível — e o IOF, em cima disso, faz um estrago.”
Instabilidade nas regras: “desafio enorme”
A crítica ao impacto da instabilidade tributária é compartilhada por representantes do setor produtivo. O vice-presidente jurídico da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Anderson Trautman, aponta a insegurança jurídica como um entrave direto à competitividade. “Estamos num momento de dificuldade de equilíbrio fiscal. O governo vem buscar alternativas que têm surpreendido o setor produtivo. Com essa carência de segurança jurídica e a perspectiva de elevação de carga tributária, o desafio é enorme”, afirma.
Segundo ele, o ajuste das contas públicas deveria priorizar a redução das despesas, por meio da reforma administrativa. “O enfrentamento do déficit fiscal deveria vir pelo lado da despesa, com uma redução do custo da máquina pública federal — e não pelo aumento de receitas.”
O presidente da CACB, Alfredo Cotait, reforça a preocupação ao relacionar os gastos em alta com a instabilidade macroeconômica. “Enquanto vemos uma arrecadação até hoje de R$ 2,05 trilhões, o Gasto Brasil mostra R$ 2,7 trilhões — o que gera juros altos e um ambiente instável de negócios”, diz.
Para Sillas Sousa, além do impacto imediato sobre o crédito, o maior problema está na previsibilidade. “Quando o governo começa a aumentar esse tipo de imposto aleatoriamente, você prejudica o horizonte. O empresário olha pra frente e não sabe se pode investir no curto prazo, porque não sabe se o governo vai mudar a regra no meio do jogo. Essa instabilidade piora muito o ambiente de negócios e isso tem impacto no nível de emprego e na geração de riqueza.”
Segundo o pesquisador, apesar da tentativa do governo de reforçar a arrecadação, o custo desse movimento tende a se refletir justamente nos segmentos que o Executivo declara querer proteger. “Essa é a crítica justa que se faz ao governo: ele faz um discurso de quem está ajudando os pobres, mas na prática está onerando, e não é pouco, os mais pobres.”