O setor da construção civil, tradicionalmente dominado por homens, começa a ganhar um novo cenário com o projeto “Elas Constroem”, iniciativa do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) em parceria com a Comissão de Responsabilidade Social (CRS) da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). O programa oferece turmas exclusivas para mulheres em cursos de qualificação profissional, com o objetivo de ampliar a presença feminina nos canteiros de obras, gerar autonomia financeira e responder à carência de mão de obra qualificada no setor.
O gerente de Educação Profissional e Superior do SENAI, Mateus Simões, explica que o projeto pretende ampliar o número de profissionais qualificados no setor e, assim, contribuir para o crescimento da área nos próximos anos. “A iniciativa Elas Constroem é parte de um grande plano nacional de capacitação da indústria da construção e, por meio desse plano, a proposta é expandir o número de profissionais qualificados relacionados a este setor”, afirma.
Segundo Simões, ainda há preconceitos e desinformação sobre o papel e a força das mulheres no mercado de trabalho, muitas vezes associados à responsabilidade de cuidar dos filhos e da casa. “Esse projeto vem romper esses preconceitos, trazendo uma formação profissional de qualidade para essas mulheres e trazendo também a oportunidade de ingresso no mercado de trabalho por meio das empresas participantes”, ressalta.
Em Goiânia (GO), a empresa Trindade Soluções Construtivas incentiva a inclusão de mulheres na construção civil. Para a diretora de Operações, Daniele Trindade, ainda há muitos desafios para as profissionais, mas os benefícios dessa inserção são inúmeros.
“Um dos principais desafios está ligado à logística da mulher com relação aos filhos para deixar nas creches. E tem também a questão que muitos companheiros dessas mulheres não aceitam que elas trabalhem e nem estudem por inúmeras razões. Já os benefícios, esses, eu posso dizer que são muitos. Especialmente o fato de trazer dignidade, melhoria na qualidade de vida e independência financeira para essas mulheres, por meio de um mercado que está sempre com a demanda alta de mão de obra”, diz Daniele.
Além das oportunidades de trabalho, na Trindade Soluções Construtivas as mulheres das comunidades próximas às obras recebem cursos gratuitos de capacitação técnica, com certificação reconhecida pelo Ministério da Educação. A iniciativa inclui formações em áreas como pintura e assentamento de piso, permitindo que as participantes sejam absorvidas imediatamente nas obras locais. A seleção das comunidades é feita em parceria com a assistência social ou com as prefeituras, que ajudam a mapear territórios mais vulneráveis.
Elas Constroem: panorama com dados
A presença feminina na construção civil tem avançado, mas ainda é muito menor que a dos homens. Em 2024, das 110.921 novas vagas geradas no setor, 20,2% foram ocupadas por mulheres, avanço frente aos 14,6% de 2023. Os dados são da Sienge, empresa que oferece sistema de gestão (ERP) para a indústria da construção.
Confira os números relacionados às mulheres que se destacam na construção civil:
- Em crescimento acelerado: Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o número de mulheres com carteira assinada na construção civil subiu 184% desde 2006.
- Custeio das novas vagas: Em 2024, mulheres preencheram 20,2% das novas contratações no setor, acima dos 14,6% em 2023 e dos 12,2% em 2022.
- Em 20 anos, a participação quase dobrou: O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta aumento de cerca de 120% da presença feminina no setor, nos últimos 20 anos.
- Engenheiras civis no mercado de trabalho: No sistema Confea/Crea, apenas 20% dos profissionais cadastrados são mulheres. Em alguns estados, o cenário é ainda mais restrito, como no Paraná, onde elas representam somente 16% dos registros no Crea-PR
Elas Constroem: formação prática e acolhimento
Com a metodologia “Aprendendo a Construir”, as alunas do “Elas Constroem” podem se qualificar em quatro categorias: pedreira de alvenaria, carpinteira de obras, pedreira de acabamento e execução de revestimento, e armadora de ferragem. O projeto já está presente em 11 estados (AM, BA, MA, MG, MS, PR, PI, RJ, RR, SP e SE) e prevê formar 280 participantes até o fim de 2025.
A primeira turma iniciou em Campo Grande (MS), no início de agosto. Ainda neste mês, acontecem aulas inaugurais em São Luís (MA), Salvador (BA) e Manaus (AM). Em setembro, será a vez de Curitiba (PR).
Cada turma recebe cerca de 20 alunas, que participam de uma aula de boas-vindas, com informações sobre direitos trabalhistas, comportamento nos canteiros e orientações profissionais. Ao final, um evento de empregabilidade conecta as formandas a empresas da construção civil, ampliando as chances de contratação imediata.
Elas Constroem: Plano Nacional de Capacitação
O “Elas Constroem” integra o Plano Nacional de Capacitação para Construção Civil, lançado em abril pela CBIC e SENAI. O programa oferece formação gratuita para trabalhadores de baixa renda, diretamente no canteiro de obras, com aulas práticas, videoaulas e materiais digitais.
As empresas participantes cedem o espaço para as aulas e podem contratar os profissionais formados. Os cursos têm duração média de três meses, com carga horária de duas horas por dia, e garantem certificado reconhecido pela Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).
Elas Constroem: como participar
Empresas interessadas devem procurar a CBIC para aderir ao programa. Após a análise, os departamentos regionais do SENAI organizam a capacitação de multiplicadores e a formação de novas turmas.